Pelo menos dois menores de 18 anos, em média, são vítimas de acidentes de trabalho a cada dia no Brasil, conforme dados do Ministério da Saúde. Por mês, um menor morre em razão desses acidentes, segundo as informações oficiais do governo.
Números do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde obtidos pelo G1 mostram que, entre 2006 e agosto de 2011, 5.353 menores de 18 anos se envolveram em acidentes graves de trabalho. No mesmo período, 58 crianças e adolescentes de até 18 anos morreram durante o trabalho.
Um desses casos aconteceu no fim de agosto, quando um adolescente de 15 anos morreu em Curitiba enquanto trabalhava em uma obra, após ter sido atingido por placas de madeiras.
De acordo com o coordenador-geral de saúde do trabalhador do Ministério da Saúde, Carlos Augusto Vaz de Souza, todos os acidentes de trabalho envolvendo crianças e adolescentes são classificados como "graves" pelo governo, uma vez que a Constituição proíbe o trabalho insalubre de menores de 18 anos.
"Criança e adolescente não deveria trabalhar e, quando pode, não deveria estar em atividade insalubre", diz Vaz de Souza. Segundo ele, os acidentes de trabalho com menores de 18 anos são considerados uma "preocupação" do governo.
De acordo com o artigo 7º da Constituição é proibido o "trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos".
Segundo o ministério, para menores de 18 anos, qualquer acidente é classificado como grave, mas, entre adultos, acidentes graves são aqueles que resultam em mutilações. Conforme as informações do Sinan, 3.245 maiores de 18 anos morreram no trabalho nos últimos cinco anos e 79.964 sofreram acidentes graves.
As informações do Ministério da Saúde são aquelas verificadas pelos médicos, tanto da rede pública quanto da rede privada, durante o atendimento. Uma determinação de 2004 do Ministério da Saúde obriga os médicos a notificarem os casos graves de acidentes de trabalho.
Isso independe dos registros de acidentes de trabalho controlados pelo Ministério da Previdência, que só se refere aos casos de quem contribui para a Previdência.
Na avaliação de especialistas ouvidos pelo G1, as informações do Ministério da Saúde conseguem levar em conta principalmente as situações de trabalho informal.
"Estamos fazendo um trabalho para ampliar essas notificações, com a qualificação das equipes. Para chegar a um número real dos casos, temos que avançar muito ainda. Mas estamos nos aproximando cada vez mais. Em alguns estados, no entanto, fica claro que há a subnotificação", diz Vaz, do Ministério da Saúde.
Ele comenta, por exemplo, o caso de São Paulo, estado com mais casos de acidentes de trabalho envolvendo menores - 3.660 dos 5.353 (confira os dados de cada estado na tabela ao lado).
"São Paulo, além de ter uma economia mais pujante, tem organização do sistema de saúde do trabalhador. Por isso, notifica mais", afirma Vaz.
Os setores de atividade com maior número de acidentes de trabalho envolvendo menores são, conforme o Ministério da Saúde, a indústria de calçados, o setor privado de serviços alimentícios (cantinas) e o comércio de modo geral.
OIT
Um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que deve ser divulgado nos próximos dias, classifica o índice de acidentes de trabalho no Brasil envolvendo menores de 18 anos como um "quadro preocupante".
"Estes elementos essenciais que atentam contra a vida, a dignidade da criança e do adolescente, agravados pelo trabalho infantil, são um grande obstáculo ao trabalho decente e ao desenvolvimento humano", diz o relatório.
Dados do Ministério da Previdência corroboram a preocupação com os acidentes de trabalho envolvendo jovens.
Em 2009, dos 39,9 milhões de contribuintes da Previdência com mais de 19 anos, 1,75% sofreram acidentes de trabalho (701.530 contribuintes). Entre os 1,057 milhão de contribuintes de até 19 anos, o índice de acidentes foi de 2,07 (21.922 casos).
Na avaliação de Renato Mendes, coordenador do Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil da OIT, "não há dúvidas" de que os menores de 18 anos são mais suscetíveis aos acidentes de trabalho.
"Em primeiro lugar, a criança e o adolescente, como está em fase de formação, não tem as mesmas habilidades que o adulto tem. Grande parte dos acidentes envolvem o campo de visão. E, até os 16 anos, a visão está em formação, o campo de percepção é menor. Além disso, eles têm a pele mais fina, mais exposta à intoxicação", afirma Mendes.
Renato Mendes, da OIT, diz ainda que os instrumentos de proteção ao trabalho não são adequados à estrutura do corpo de adolescentes. Para ele, o ideal seria que nenhuma criança ou adolescente precisasse trabalhar.
"O trabalho infantil diminuiu muito nos últimos anos, e chegamos ao núcleo duro, o informal, que oferece mais resistência. Agora, o Brasil tem que repensar as políticas", afirma o coordenador da OIT, citando a educação integral como uma medida possível.
Segurança no trabalho
De acordo com o Ministério da Saúde, o governo brasileiro criou em 2008 um grupo interministerial - formado pelas pastas da Saúde, Trabalho e Previdência, além de centrais sindicais e confederações de empregadores - para elaborar uma política nacional de segurança do trabalho.
No texto prelmiinar, conforme Carlos Augusto Vaz de Souza, do Ministério da Saúde, consta diretriz que recomenda atenção em relação aos casos envolvendo crianças e adolescentes.
Ao G1, o ministro do Trabalho, Carlos Lupi, afirmou que esse trabalho está pronto e que o texto da política nacional deve ser assinado em breve pela presidente Dilma Rousseff.
"O Plano Nacional de Saúde e Segurança no Trabalho trata de várias temáticas para prevenir acidentes, desde equipamentos adequados até cursos de conscientização. Só falta marcar a data [para lançar o plano]. Já está pronto", afirmou Lupi.
Medidas judiciais
O procurador da República Rafael Dias Marques, coordenador nacional da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho de Crianças e Adolescentes do Ministério Público do Trabalho, diz que o MP vem questionando empregadores na Justiça.
"Quando uma criança ingressa no trabalho e sofre acidente, a postura do MP é responsabilizar quem deu a causa, quem proporcionou o acidente, através de ação de dano moral."
Secretária-executiva do Fórum Nacional para a Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPeti), a socióloga Isa Oliveira diz que "eticamente" é inaceitável o registro de acidentes de trabalho entre crianças e adolescentes.
"Como são pessoas em desenvolvimento, são mais expostas. O ambiente de trabalho não está preparado para eles, correm mais riscos." Para ela, o Estado deveria se preocupar em incluir os jovens no estudo e não no mercado de trabalho.
Para o presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, a entrada de adolescentes no trabalho prejudica o mercado.
"A entrada de adolescentes em vagas tradicionalmente ocupadas por adultos mina a competição. Outra questão é que os dados comprovam que quando uma criança sai da escola para trabalhar, dificilmente volta", diz Pochmann.
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