Por Vanessa da Silva Moraes,
oficial da Infância e Juventude da comarca de Seara (SC).
Se você fosse à casa de um amigo e seu filho quebrasse um vaso de cristal valiosíssimo, o que faria? Pediria desculpas ao seu amigo e se proporia a pagar pelo prejuízo, ou recomendaria que seu filho escondesse os cacos embaixo do tapete e sairia de fininho?
E se, no supermercado, seu filho comesse uma caixa de chocolates suíços dos mais caros do estabelecimento, você diria para ele colocar a caixa no carrinho para pagar na saída, ou mandaria ele colocá-la numa lixeira e fazer de conta que não sabe de nada?
Mas e se seu filho de 14 anos atropelasse uma criança de três anos na beira da praia com um jet ski que ele não tem autorização para guiar, o que você faria? Explicaria para ele que todos os nossos atos têm consequências e que precisamos responder por eles, voltaria ao local e prestaria socorro à vítima, ou faria as malas rapidamente e fugiria do
local?
Quem acompanha os noticiários deve ter ficado sabendo sobre o “acidente” ocorrido nas areias de Bertioga (SP) no ultimo dia 18, que resultou na morte da pequena Grazielly Almeida, de apenas três anos de idade. Um adolescente de 14 anos pilotava sozinho um jet ski quando perdeu o controle do veículo, atropelando a menina, que já chegou sem vida ao hospital.
Não pretendo discorrer nesse texto sobre a responsabilização de adolescentes que cometem atos infracionais, tampouco sobre as medidas socioeducativas aplicáveis ao caso. Minha intenção é iniciar um debate sobre como os pais estão exercendo as suas funções de educadores e de formadores de cidadãos.
Pode parecer ridículo comparar a morte de Grazzielly com um vaso quebrado ou um chocolate comido sem pagar, mas a forma de os pais lidarem com as três situações diz a mesma coisa sobre como nossos filhos estão sendo criados.
Se não sou capaz de ensinar meu filho a pedir desculpa quando quebra algo que não é dele, se não me envolvo com o problema e não o ajudo a resolver, como posso esperar que ele se torne um ser humano de verdade, capaz de viver em sociedade? Que tipo de mãe eu seria se ensinasse meu filho a camuflar seus erros, a esconder o que fez de errado, a não assumir sua culpa?
Atuo como oficial da Infância e Juventude do Poder Judiciário de Santa Catarina há pouco mais de seis meses e já pude observar que, quando a família não tem bases sólidas, não consegue passar bons ensinamentos para suas crianças e seus adolescentes, não demora até ir buscar socorro junto ao Poder Público, por pura falta de controle dos filhos. Dizem que já não sabem mais o que fazer com eles e exigem de nós uma solução, como se fosse possível tirá-la de dentro do chapéu.
A minha realidade profissional é lidar com crianças e adolescentes de baixa renda, sem pais presentes (muitas vezes só com a mãe por perto), o que não é o caso do adolescente que atropelou Grazziely. No entanto, a omissão na criação dos filhos se manifesta em todas as classes sociais, pois se trata exclusivamente da dificuldade em dizer “não”, de impor limites, de ajudá-los a assumir seus erros, de educar.
E enquanto não começarmos a agir como verdadeiros pais, no sentido de mostrar o caminho certo para nossos filhos, muitos vasos serão quebrados e escondidos, muitos chocolates serão comidos sem ser comprados e muitas Grazzielys pagarão pela nossa omissão.
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